segunda-feira, 16 de abril de 2012

Como filosofavam os cristãos primordiais


65. Cristãos gnósticos e a Gnosis Kardias

Antes de adotar o cristianismo como religião oficial, o Império Romano caçou e abateu todos os lideres cristãos que pôde aprisionar, a começar por Jesus e além dele muitos, milhares deles, pelo principal motivo: os cristãos se negavam a adorar o imperador. Diferentemente dos romanos, não faziam discriminação social e tratavam-se como irmãos independentemente de posição social, não compareciam aos rituais financiados pelo Império e realizavam suas evocações de fé à noite, durante as quais se abraçavam e trocavam ósculos, mesmo entre os homens. Isso foi denunciado como ritual obsceno.
Entre as críticas que se faziam aos cristãos, estavam os melhores elogios: «recolhendo gente ignorante, pertencente à população mais vil, os cristãos desprezam as honras e a púrpura, e chegam até mesmo a chamar-se indistintamente de irmãos e irmãs». O apelo à dignidade de toda pessoa, mesmo a mais humilde, a igualdade diante de Deus (o ponto mais revolucionário da mensagem cristã) tinha feito silenciosamente o seu caminho na consciência de tantas pessoas e de tantos povos, que os ocupantes da aristocracia romana os considerava miseráveis de origem escrava e os tinham como lixo humano. Havia, porém, mais coisas do que o simples comportamento dos cristãos.
As perseguições só se encerraram totalmente depois do édito de Constantino I, em 321 D.C. oficializando uma religião dita de fundo cristão, porém complemente modificada.  
Para que se chegue ao detalhe do "algo mais" que incomodava os romanos – o segredo está numa palavra – é preciso, antes, conhecer como e por que aquela corrente de pensamento era temida pelos governos da época.
Pelos tempos áureos da Filosofia grega, Alexandria também brilhava como centro irradiador de conhecimento e além das fronteiras do Egito também havia comunidades com grande evolução intelectual e religiosa, conhecidas como Essênios e Nazarenos, entre outros. Eram gnósticos, mas não eram conhecidos por este rótulo. O rótulo veio mais tarde e partiu dos inimigos de suas idéias.
Historicamente, os povos que estudavam e pregavam a libertação humana através do conhecimento, eram tidos como esotéricos, seres que buscavam auto libertar-se de dentro para fora. Os inimigos dessa idéia queriam “fazer a cabeça” dos seguidores de fora para dentro. Esses eram os dominadores que, na esteira da fidelidade ao rei, recolhiam impostos para manter a fidalguia no conforto.
Uma brutal diferença entre alguém capacitar-se para assumir seu destino autonomamente ou entregar o comando do seu destino a um sacerdote ou guru ou rei, mesmo que para ele se dê o nome de um deus ou que seu nome esteja associado a um deus.

Assim, os esotéricos que, mais tarde, ficaram conhecidos também como gnósticos e também como membros da Gnosis Kardias, viveram, em sua larga maioria, desde os três ou quatro últimos séculos antes de Cristo até os primeiros séculos da Era Cristã. Eram ou foram aqueles que derramaram o próprio sangue nas arenas diante dos leões, perseguidos pelos governos da Palestina e de Roma.

É bastante provável, como dissemos, que eles mesmos não se considerassem gnósticos, porquanto eram sabedores do significado oculto dessa palavra e tenham tido razões para não se proclamarem seguidores de uma determinada prática. Eles tinham um mártir: Jesus Cristo. Tinham uma doutrina: a libertação. E, certamente, após Cristo, eram cristãos. Antes dele eram inicialmente apenas judeus de seitas como os essênios, os nazarenos, e de outras nacionalidades adeptos de um determinado culto antigo-renovado.

Muito do que Platão e Aristóteles deixaram registrado pode enquadrar-se como conhecimento gnóstico.

Ao contrário do que diziam seus detratores, os gnósticos não formavam uma religião específica nem eram sectários, fanáticos ou arrogantes. Do mesmo modo, Jesus não tinha a sua religião, pregava a conversão dos judeus aos novos cultos da igualdade humana. Simplesmente, compartilhavam de uma atitude comum para com a vida e o mundo e, essa atitude, sabemos, era fundamentada no conhecimento do coração (Gnozis Kardias) como diz o “Evangelho da Verdade”, também conhecido como “O Evangelho de Felipe”.

Aparentemente, ao leitor atento, parece haver uma incoerência dentro do conjunto de frases do parágrafo anterior, quando é dito que tais cristãos “gnósticos não formavam uma religião específica”. Uma pergunta se impõe: e a religião cristã, o que é?
A religião cristã não existe. A corporação que se apoderou do nome de Jesus Cristo para estruturar uma Igreja Universal, não leva a palavra cristã no seu nome. Ela é católica, isto é, universal, apostólica e romana. Então não há incoerência alguma na frase citada, porque, de fato, não havia religião formal. Os primitivos cristãos levavam suas idéias através de parábolas que ensinavam pensar para o despertar de consciências. Nem havia evangelho, nem sacerdotes, nem templos; se reuniam em casas, embaixo de árvores, em qualquer lugar e não deixavam nada escrito. Tanto que os escritos hoje conhecidos como evangelhos de Mateus, Lucas, Marcos e João surgiram depois do ano 60, mais perto do ano 80 e se destinavam a corrigir um grave problema: os adeptos se proclamavam membros daquele pensamento, mas torciam as idéias recebidas. Isso comprometia a idéia-mãe. As epístolas enviadas a inúmeras comunidades por onde os pregadores cristãos já haviam passado, se destinavam a chamar as pessoas para a proposta central trazida por Jesus e que, ainda que um pouco desfigurada, era levada aos povos por apóstolos nem tanto capacitados para uma missão com esta envergadura.

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