sexta-feira, 2 de março de 2012

Ícones de seus tempos estão ruindo


29. Kaddafi e Fukuyama: do lado errado da história

Um dos retratos mais ilustrativos do Fim do Fim da História é a morte sangrenta de Muammar Kaddafi. Enquanto céticos estão totalmente certos ao se revoltarem contra a campanha imperialista da Otan na Líbia, muitos na esquerda ainda fingem não ver o enorme simbolismo por trás da queda do Irmão Líder. Kaddafi, de alguma maneira, foi a última corporificação do Fim da História. Tendo chegado ao poder como um revolucionário socialista pan-arábico no final dos anos 60, ele terminou como um dos mais bem-sucedidos capitalistas. Enquanto ele continuou sua retórica de lamentar os maus do imperialismo ocidental, ele pareceu mais do que disposto a oferecer os espólios de seu país às mesmas forças neo-coloniais que ele tão avidamente ridicularizava.
De acordo com um relatório de 2008 publicado pelo Financial Times, Kaddafi “exaltava as virtudes das reformas capitalistas”. Tratando a Líbia como seu negócio familiar, ele agradava às Grandes Empresas Petrolíferas, distribuindo contratos lucrativos para corporações ocidentais como Eni e Shell. Depois disso ele permitiu que os lucros se acumulassem em seu fundo privado “soberano” enquanto empregava Wall Street para reciclar este capital excedente e para obter lucros adicionais. No processo, enquanto o povo da Líbia permanecia seriamente prejudicado por seu subdesenvolvimento crônico, Kaddafi desviava US$168 bilhões das riquezas da nação para o exterior. Não é de se surpreender que o Ocidente rapidamente ficou tão feliz de ser seu amigo.
Ainda assim, o que é mais revelador sobre a conversão repentina de Kaddafi de libertador socialista para opressor capitalista, não são seus fortes laços com o stablishment neoliberal do ocidente. O que é mais revelador é sua conexão pessoal com Francis Fukuyama. Nos anos de 2006 e 2008, Fukuyama fez parte de um grupo seleto de intelectuais que figuravam entre líderes mundiais contratados – e generosamente pagos – pelo Monitor Group, uma firma de Relações Públicas, americana, aconselhada por ex-diretores da CIA e da MI6 (inteligência britânica), para ajudar a limpar a imagem de Kaddafi no ocidente como parte de uma ofensiva charmosa concebida para ajudar a legitimar a inclusão da Líbia no Fim da História. De acordo com documentos secretos vazados por ex-oficiais líbios, “Fukuyama fez duas visitas à Líbia (14-17 de agosto de 2006 e 12-14 de janeiro de 2007)”.
Ele proferiu uma palestra no Greek Book Centre em Trípoli e lecionou uma aula sobre a Líbia na Johns Hopkins University (Maryland, Baltimore). Ele também proferiu uma palestra, intitulada “Minhas Conversas com o Líder”, que marcou “a primeira vez que O Livro Verde foi exigido como leitura aos estudantes em uma das escolas de política mais influentes no mundo.” Aparentemente, não somente nós, mas o próprio Fukuyama acreditava que Kaddafi era a corporificação do Fim da História. Sua queda, portanto, mesmo que nunca tivesse sido bem sucedida sem a ajuda militar imperialista do ocidente, refuta totalmente a tese de Fukuyama. Até porque, se realmente chegamos ao Fim da História, como pode o autor dessa tese acabar ele próprio descaradamente no lado errado da História?
O colapso da zona do Euro como o Fim do Fim
No entanto Kaddafi não foi o único “erro” histórico de Fukuyama. Em reposta a alegações que o Fim da História era um argumento puramente Americocêntrico, em 2007 Fukuyama escreveu um artigo para o Guardian, reivindicando, retroativamente, que “O Fim da História nunca foi ligado a um modelo americano específico de organização social ou política… eu creio que a União Européia reflete de maneira mais precisa do que os Estados Unidos contemporâneo como o mundo irá se parecer no fim da história”. Ao julgar-se a partir do destino da União Européia, revela-se que Fukuyama, ironicamente, acabou por estar certo da maneira errada.
Como escreveu o New York Times outro dia, “o euro era um projeto político que visava unir a Europa depois do colapso soviético em uma esfera de prosperidade coletiva que levaria a um federalismo maior. Ao contrário, o euro parece estar dividindo a Europa… há uma tensão no sistema político e dúvidas sobre as instituições democráticas que nós não havíamos presenciado desde a queda da União Soviética”. A profunda integração européia, totalmente em linha com a filosofia do Fim da História, produziu uma situação tão assolada pela crise que o futuro da economia mundial agora depende do destino de um só membro da comunidade européia – um que responde a somente 2% do PIB total da União: Grécia.
Mas a Grécia é somente o canário na mina de carvão. É um sintoma, não a causa, da crise européia. Quando a Grécia der o calote, será apenas uma questão de tempo para que os investidores percam confiança na Itália e na Espanha. Ambos considerados grandes demais para quebrarem – mas também grandes demais para serem resgatados. O fundo de resgate europeu não é grande o suficiente para salvá-los, e Alemanha e França estão presas num entrave de como aumentá-lo. Ao mesmo tempo, o sistema bancário europeu insolvente está na iminência de um colapso. Um calote grego irá empurrar inúmeros bancos para a falência, forçando os governos centrais a distribuir mais uma vez resgates financeiros. Isto, por sua vez, irá agravar ainda mais o endividamento soberano e por conseqüência suas notas de crédito serão rebaixadas, trazendo a crise de débito “grega” para o coração do capitalismo europeu.
A conclusão, em outras palavras, é que não há escapatória fácil dessa crise – nem mesmo os tão invocados eurobonds, como recentemente Martin Wolf assinalou para o Financial Times. O euro, aquele grande projeto da elite que deveria ser o pináculo da integração européia, está vacilante. Em meio ao processo, as instituições tecnocráticas pós-ideológicas européias perderam suas últimas sombras de legitimidade que tinham. O edifício está caindo, e falando francamente, nossos líderes não tem nem idéia do que fazer. A crise da Europa, ao final, é a crise mundial. E está longe de ser uma crise meramente econômica: e bem lá no fundo, nós estamos enfrentando aquilo que Joseph Stiglitz chamou de crise ideológica do capitalismo. Isto está obviamente muito longe do “ponto final da evolução ideológica da raça humana”.
E o mundo liberal e capitalista tanto quanto a queda dos regimes totalitários no Oriente Médio e Norte da África, não têm para onde ir. O comunismo faliu. O capitalismo faliu. O socialismo faliu.

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