quinta-feira, 8 de março de 2012

E, aí, você vem?

35. É para mudar? Mudemos

As notícias sobre a morte do capitalismo são, parafraseando Mark Twain, um pouco exageradas, segundo o sociólogo Zygmunt Bauman, que também é um crítico dos descaminhos do capitalismo e do comunismo, muito parecidos entre si. A capacidade surpreendente de ressurreição e regeneração é inerente ao capitalismo, uma capacidade parecida com a dos parasitas – organismos que se alimentam de outros organismos, estando agregados a outras espécies. Depois de exaurir completa ou quase completamente um organismo hospedeiro o parasita normalmente procura outro, que o nutra por mais algum tempo.
Há cem anos, Rosa Luxemburgo compreendeu o segredo da misteriosa habilidade do sistema capitalista em ressurgir das cinzas repetidamente, assim como uma fênix; uma habilidade que deixa atrás de si traços de devastação – a história do capitalismo é marcada pelos túmulos de organismos que tiveram suas vidas sugadas até a exaustão. Luxemburgo, no entanto, restringiu o conjunto dos organismos que aguardavam em fila, esperando a conhecida visita do parasita, às “economias pré-capitalistas”, hoje chamadas de emergentes, cujo número era limitado e em constante regressão, sob o impacto da expansão imperialista.
A cada visita sucessiva, outra terra “intocada” era convertida em campo de pastagem para a exploração capitalista. Portanto, mais cedo ou mais tarde, não serviriam mais às necessidades da “reprodução ampliada” do sistema já que não ofereceriam os lucros que tal expansão requeria. Pensando por essa trilha (um viés completamente compreensível, dado que a expansão há cem anos era principalmente territorial, mais extensiva que intensiva, mais lateral que vertical), Luxemburgo só poderia antecipar os limites naturais da duração concebível do sistema capitalista. Uma vez que todas as terras “intocadas” do globo fossem conquistadas e integradas à máquina de reciclagem capitalista, a ausência de novas terras de exploração forçaria, ao fim, o colapso do sistema. O parasita morre quando faltam organismos vivos de onde possa retirar alimento.
Hoje, o capitalismo já atingiu uma dimensão global, ou está muito próximo disso – um cenário que Luxemburgo via em horizonte distante. Sua previsão estará a ponto de se concretizar? Bauman, pensa que não. Nos últimos 50 anos, o capitalismo aprendeu a inimaginável e desconhecida arte de criar novas “terras intocadas” em vez de se limitar às já existentes. Essa nova arte tornou-se possível porque o sistema viveu uma transição. A “sociedade de produtores” converteu-se numa “sociedade de consumidores”. E a fonte principal da “agregação de valor” já não está na relação capital-trabalho, mas na que há entre mercadoria e cliente. Lucro e acumulação baseiam-se principalmente na progressiva mercantilização das funções da vida; na mediação, pelo mercado, da satisfação de necessidades sucessivas; na substituição do desejo pela necessidade, como engrenagem principal da economia voltada para o lucro.
A crise atual deriva da exaustão de uma dessas “terras intocadas” criadas artificialmente. Milhões de pessoas foram obrigadas a abandonar a “cultura dos cartões de crédito” para se dedicar à “cultura das planilhas de gastos”. Por algum tempo, elas foram estimuladas a gastar o dinheiro que ainda não haviam ganhado, vivendo com crédito, falando de empréstimos e pagando juros. A exploração desta “terra intocada” particular está, em linhas gerais, acabada. O sistema entregou para os políticos a tarefa de limpar os detritos deixados pela farra dos banqueiros. É algo que entrou na lista dos “problemas políticos”: passou de “problema econômico” para (citando a chanceler alemã, Angela Merkel) algo dependente de “vontade política”. Mas alguém poderia duvidar que estão em construção novas “terras intocadas” – as quais também terão vida bastante limitada, dada a natureza parasítica do capitalismo?
O sistema funciona por um processo contínuo de destruição criativa. O que se cria é capitalismo numa “fórmula nova e melhorada”; o que se destrói é a capacidade de auto-sustentação e vida digna nos inúmeros “organismos hospedeiros”, para os quais todos somos atraídos e ou seduzidos, de uma maneira ou de outra. Existe a certeza de que um dos recursos cruciais do capitalismo deriva do fato de que a imaginação dos economistas – incluindo os que o criticam – está muito atrasada em relação à sua invenção: a arbitrariedade do seu procedimento e a crueldade com que opera.
No centro do pensamento de quase todos os cidadãos e cidadãs ocidentais e de uma maioria de orientais, somos movidos a lucro, isto é, buscamos uma compensação por aquilo que fazemos, criamos ou produzimos. Axioma que não pode ser contestado. Então se pensa que isso é capitalismo. Esse o grande engodo porque aí o capital financeiro friamente, sem pensar, sem fazer e sem produzir também vai buscar a compensação através dos juros e nisso o capitalismo descamba para o fosso como sistema perverso, que divide os resultados com os demais fatores de produção. Qual é o remédio? Repartir igualmente (isto é, em proporção justa) os resultados entre todos os participantes do processo.
Quando a novíssima era se implantar entre os participantes do Mundo Totalmente Novo que está se anunciando, algumas cabeças iluminadas estarão demonstrando como isso é possível. Importa deixar a porta aberta para que a iluminação se faça.

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