sábado, 3 de março de 2012

As reações estão aí

30. A crise do capitalismo e o retorno do reprimido

Não é surpresa, portanto, que 2011 tem sido visto como a volta – uma espécie de vingança – da crítica sistêmica do capitalismo. Nos últimos tempos, importantes publicações de suporte do livre-mercado como o Wall Street Journal, o Financial Times, a Business Insider e a revista Fortune admitiram que Karl Marx poderia estar certo sobre a tendência auto-destrutiva do capitalismo. O motivo para esse repentino ressurgimento da crítica político-econômica marxista é dupla: primeiro, as elites começam a compreender que nós estamos prestes a entrar em uma outra Grande Depressão, e, segundo, a repressão sistemática da imaginação radical que o mundo pós-ideológico de Fukuyama ocasionou. (Sabe por que Fukuyama tem sido usado como alvo? Ele representa a maior voz em defesa do falido sistema).
A esse respeito, uma linha direta pode ser traçada desde o slogan arrebatador de Margareth Tatcher, “não há alternativa” (there is no alternative), até a política neoliberal em resposta a crise financeira. Enquanto banqueiros vêm acumulando remunerações recordes, ao resto da população é dito simplesmente que não há alternativa às medidas de austeridade draconianas. A narrativa ideológica é a mesma por todos os lugares: “nós estamos todos juntos nessa, todos nós precisamos apertar nossos cintos”, mas a mensagem implícita é na verdade: “não ousem imaginar uma alternativa”. Aceitem, deixem como está que os banqueiros estão felizes. Ainda assim, como Matt Taibbi recentemente pontuou um pequeno imposto de 0,1% em todas trocas de títulos e ações e um imposto de 0.01% em todas trocas derivativas poderiam pagar todos os resgates americanos, tornando muito do “necessário” aperto de cinto desnecessário. Esta é uma alternativa confiável bem aqui na nossa frente, escancarado diante de nossos narizes. Por que não está sendo discutida?
De volta ao ano de 2009, Fukuyama publicou um artigo na Newsweek com o título triunfante “A história continua terminada”, na qual ele afirma que, apesar do fato de “a crise ter começado em Wall Street – o coração do capitalismo global – … a legitimidade do sistema global pode ter sido arranhada, mas ainda não caiu”. Pouco mais de dois anos depois assistimos às ruas de Londres, Roma e Atenas pegando fogo, a ocupação pacífica de Wall Street, Puerta Del Sol, Syntagma, e centenas de outras praças ao redor do mundo; um dia de ação global sem precedentes em 15 de outubro, com protestos em quase 1.000 cidades em mais de 80 países. Testemunhamos a raiva, a frustração, a indignação. Eis a resposta, ela está aqui. A legitimidade está caindo. Fukuyama, parece, estava comemorando um pouco cedo demais.
No sentido freudiano, nós estamos presenciando o retorno reprimido. Se você diz às pessoas durante duas décadas que não há alternativa ao mundo no qual elas vivem, e, ao mesmo tempo, tira suas rendas, seus direitos, seus serviços públicos, e toda dignidade que ainda lhes resta, você pode esperar que essa repressão psicológica do potencial revolucionário vai voltar de alguma forma cedo ou tarde. Com juros. Se você reprime a coerente ideologia emancipatória das massas, assim como o Fim da História pretendeu fazer, você literalmente acaba tendo a incoerente e apolítica rebelião de Londres. Sobre isso, a coisa mais importante que as revoluções tunisiana e egípcia poderiam ter feito é relembrar a humanidade que na verdade há sim uma alternativa ao status quo – que realmente existe um “fora” do desmedido capitalismo global. Que precisa ser substituído. Que é preciso substituir o “não há alternativa” por um “qual é a alternativa”.
Prosseguiremos dentro desse foco em próximos artigos.

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