domingo, 11 de março de 2012

Eles estão entre nós

38. O exército dos homens invisíveis

José Maurício Guimarães
Belo Horizonte

H. G. Wells escreveu a história do homem invisível em 1897 - as agruras
de um cientista obrigado a viver numa cidade isolada, com o rosto sempre enfaixado, chapéu, óculos escuros, luvas. O enredo virou filme do mesmo nome (James Whale, 1933) e "Memórias de um Homem Invisível" de John Carpenter (1992). É paradoxal um homem invisível ter que se disfarçar com todo aquele aparato para esconder a invisibilidade.
Sempre pensei que bastasse ficar nu... e pronto. Mas, não - a invisibilidade de nada serve, por exemplo, no escuro. Se o homem invisível for perseguido no claro, ele leva vantagem. Mas, no escuro, seus perseguidores usarão a audição e o tato, contra o que a invisibilidade não vale um centavo. Quando eu era menino, li a história do homem invisível e imaginei a estranha ambição de me tornar invisível nalgumas circunstâncias. Mesmo hoje, quem não gostaria de ter esse poder e conhecer de perto aquelas coisas que nos são sonegadas? Invisíveis, poderíamos presenciar, sem sermos notados, os conchavos políticos, as armações espúrias com que se forjam os partidos, candidaturas ou as chapas, os acertos sub-reptícios celebrados entre o poder e os malfeitores, as falcatruas através das quais são repartidos os gabinetes... tudo, enfim, que sempre nos pareceu uma "cabala".
Invisíveis, entraríamos nos ninhos de onde nascem - como diria o Hamlet - a razão do "escárnio e os golpes do mundo, as injustiças dos mais fortes, os maus-tratos dos tolos, as leis morosas, a implicância dos chefes e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente...
(Shakespeare, Hamlet-Ato III, cena I).
Porém, infelizmente, somos muito visíveis, vamos engordando a cada dia,
pisamos forte e nossos passos são ouvidos nos corredores; falamos em alta voz, pois detestamos o cochicho. Todavia, sinceramente, eu gostaria de experimentar aquela invisibilidade narrada por Wells, exceto quanto a ter que viver num lugar isolado com o rosto enfaixado. Se eu descobrisse a fórmula da invisibilidade, haveria de compartilhá-la com o exército de homens comuns, esses que fazem a História e arcam com o peso e o custo das instituições. Em pouco tempo, ao descobrirem o que se passa atrás das portas fechadas, os invisíveis seriam elevados à cena – um exército de indignados prontos a se insurgirem contra a violência do nosso tempo, apenas não sabem por onde começar. Nossa cultura está desagregada e as instituições desmontadas sem que possamos fazer aparentemente nada. Os heróis que emulavam nossa conduta há trinta anos atrás estão desnudados. A crise instaurada é fruto da ausência de ouvidos aos anseios da maioria. O acentuado desrespeito às leis e a manipulação das regras do jogo ainda não nos mergulharam na anarquia porque os detentores do poder se agarram ao trono com mão de ferro, inspirando medo e incerteza. Eles são os verdadeiros homens invisíveis do nosso século - envoltos nas faixas da dissimulação, cobertos pelos chapéus da astúcia, óculos de graus da hipocrisia e luvas da impostura. Como retóricos dos discursos vazios de conteúdo, emasculam os principais fundamentos da liberdade, ou seja - que o Direito tem que ser, antes de tudo, democrático e que a justiça, para ser Justiça tem que significar Igualdade. Por enquanto, o papel e o discurso aceitam qualquer "direito". Mas, o progresso, que depende da elaboração de projetos válidos para um mundo novo, está em gestação. Esta é a grande virada de 2012, não o fim do mundo.
O "admirável mundo novo" depende da voz dos indignados, do exército silencioso e inconsciente da força que têm. Depende dos transparentes, sem cor política, de cada um de vocês que perseveram translúcidos em suas opiniões, diáfanos em suas intenções, nítidos em seus questionamentos.
Utopia? Sim, por enquanto.

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