domingo, 4 de março de 2012

E as reações irão se acentuar


31. O levante dos indignados e a crise da democracia

As revoluções árabes encorajaram a juventude alienada da Europa e da América a começar a sonhar de novo, a reivindicar sua imaginação radical em face de uma das maiores crises de legitimidade na história da democracia liberal. À medida que uma consciência crítica faz seu caminho de volta ao discurso mainstream, a hegemonia cultural do neoliberalismo se encontra novamente sob ameaça. Os primeiros sinais desta consciência crítica emergente começaram a aparecer em Madrid em 15 de maio. Alguns dias mais tarde, a BBC noticiou que uma mobilização de estilo egípcio estava crescendo na Espanha. Após algumas semanas, centenas de milhares de pessoas de todos os tipos se reuniram ao redor do país enquanto o movimento dos indignados se espalhava pela Europa.
Em 17 de setembro, o movimento espanhol 15-M culminou em um dia global de ação contra os bancos e a ocupação de Wall Street, convocada pela revista anti-consumista canadense Adbusters. As manifestações de Wall Street subseqüentemente ajudaram a catalisar o próximo dia global de ação, convocado pelos manifestantes espanhóis para 15 de outubro. Sob o mesmo banner “unidos por uma mudança global”, a resistência mundial chegou a proporções sem precedentes, com protestos simultâneos acontecendo em 1.000 cidades em mais de 80 países. Com sua declaração inocente que “a legitimidade do sistema global não caiu”, Fukuyama mais uma vez se encontra no lado errado da história.
Afinal, se a democracia liberal é realmente o ápice da evolução ideológica da humanidade, como pôde acontecer que milhões de pessoas estão tomando as ruas no mundo todo exigindo algo diferente? Se a democracia representativa é o ápice, por que esses jovens estão cantando “não nos representam!”, e então por que eles gritam por uma democracia real no seu lugar? Como os movimentos de massa em Israel e no Chile demonstraram, o fenômeno não pode ser reduzido somente à crise, porque mesmo economias crescentes não conseguiram evitar que a onda de indignação inundasse as ruas de suas cidades. Na verdade, o problema vai muito mais além. Como os indignados gostam de cantar, “não é a crise, é o sistema”.
E podemos acrescentar: são os tempos, outros tempos. Os tempos velhos morreram.
Quando milhões de cliques pela Internet levam um Supremo Tribunal, no Brasil, a votar sob pressão a validade do “Ficha Limpa” para ontem, com a finalidade de mandar os sujos para fora dos mandatos eletivos, muita gente começa a entender que os tempos velhos morreram. E morreram também para o servidor público viciado, corrupto, condescendente e capacho do político podre: para ser nomeado com ou sem concurso ele também terá de provar que está limpo e puro.
Mudanças pontuais que ocorrem cá e lá aparentemente sem ligação. Diga-se por outro viés: com ligações invisíveis. Zygmunt Bauman pôs o dedo no xis da questão: enquanto a política permaneceu nacional, o poder não desapareceu com os fluxos globais. Mudanças tecnológicas e reformas neoliberais conspiraram para criar uma situação na qual governos democraticamente eleitos não mais têm o poder de transformar suas promessas em políticas. Acabamos numa situação na qual votar não é mais escolher as políticas que nossos governos devem colocar em prática, mas sim sobre quem deve colocar em prática as políticas exigidas pelo setor financeiro. Chamar isso de democracia é absurdo. O levante dos indignados não é mais que a compreensão coletiva, mundial, de que a democracia representativa liberal, sob condições de profunda integração econômica, não é nada liberal ou representativa. O Fim da História, ao contrário de uma democracia consolidada como a última forma de governança humana, foi totalmente solapado.
Os novos tempos chegaram e só os banqueiros ainda não viram isso. Ou acham que isso ainda dá para empurrar com a barriga. Ficamos ainda neste foco em mais artigos.

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